quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

Compaixão

28.12.05



Lembro-me, sempre, daquele bolo que um empresário cheio de “compaixão” manda preparar todos os anos, em um bairro onde moram pessoas diferentes dele, em uma mesa imensa e em minutos é consumido, vorazmente, pelos presentes, numa cena de loucura impar.
Mas, de onde vem esse sentimento: “A Compaixão”?
Olha, ele não é novo. Os dicionários esforçam-se para defini-lo. Mas não sei se satisfazem esse objetivo.
Há um trecho no livro “O Anticristo” de Nietzsche com poder para nos ajudar nessa dúvida. Primeiro porque foi escrito no século dezenove e depois o autor tinha traumas enormes causados por sua educação cristã. Vamos ao texto:
“Chamamos o cristianismo de religião da compaixão. A compaixão encontra-se em oposição aos efeitos tonificantes que aumentam a energia do sentimento vital: ela tem um efeito depressivo. Perde-se em força, quando se tem compaixão. Com a compaixão aumenta o sofrimento e ainda se multiplica a perda de força que prejudica a vida. O próprio sofrimento torna-se contagioso através da compaixão; em algumas circunstâncias a compaixão pode levar a uma exaustão integral da vida e da energia vital, exaustão que está numa relação absurda com o quantum da causa (como no caso da morte do Nazareno). Esse é o primeiro ponto de vista, contudo existe um mais importante. Uma vez que se mede a compaixão, segundo os valores das reações que ela costuma trazer a tona, então seu caráter mortalmente deletério surge numa luz ainda mais clara.” Mais a frente ele encerra o assunto com chave de ouro dizendo: “Como se sabe, Aristóteles via na compaixão um estado doentio e perigoso que poderia ser superado tomando-se um purgante ocasionalmente: ele entendia a tragédia como uma purgação. Nada é mais doentio na nossa podre modernidade do que a compaixão cristã”.

Sentimento estranho esse, não? Nessa época, parece haver uma conspiração global em nome dele.
Tomados de compaixão, pessoas físicas e jurídicas visitam compulsivamente casas e abrigos onde estão pessoas, digamos, menos favorecidas e, cheias desse sentimento, realizam atos, no mínimo, muito exóticos.
Ano passado, nessa época, eu estava, por acaso, prestando serviços à uma dessas casas. No meu caso era trabalho remunerado, se bem que, em parte voluntário, se olharmos o valor acertado, o que não muda nada, porque tomados de intensa compaixão até hoje não me pagaram por meus trabalhos.
Mas, o ponto a ser enfatizado aqui, é a quantidade de pessoas que apareceram lá levando todo tipo de coisas. Das horrendas cestas básicas montadas com produtos de quinta categoria (como sempre) até móveis velhos, passando por brinquedos chineses ou usados, roupas usadas, restos de comida de natal, não doados aos funcionários de uma fábrica, dinheiro (inclusive dos EUA, em dólares, esmolas, etc.), as tais migalhas que esse pessoal está acostumado a receber, pois, provém do mais profundo sentimento de compaixão da parte dos doadores.
O sentimento cristão e bíblico, distorcido ao longo dos séculos, é bem outro:
“E amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Mateus 19:19 Lv.19:18

Certamente, não é de Deus ou de Jesus Cristo tal idéia. Deve ter resultado de ações diabólicas, especialmente dentro do cristianismo. Nada poderia estar mais longe da verdade cristã e do Amor Ágape de Deus do que esse sentimento horroroso que se apossa das pessoas no fim de cada ano.
Entretanto, com os políticos (especialmente os brasileiros) a compaixão está presente o ano inteiro. Não com eles próprios, claro. Como temos testemunhado, ao longo deste ano. Só de benesses assistencialistas (tipo salário família, auxílio maternidade, cesta básica, vale transporte, bolsa família, fome zero, etc.) dadas por compaixão, esses caras até choram quando falam nisso, são mais de dezesseis. A consequência direta é o aumento das populações mais carentes que fazem a leitura disso tudo como “É melhor ter muitos filhos que a gente ganha mais”.
Ai, as tais “casas” aumentam. Cada vez mais crianças “abrigadas”. E, no fim do ano que vem mais lugar para a tal compaixão.
Poderíam, todos, começar a tomar um “laxantizinho” ai por volta de novembro. Quem sabe ela deixaria o povo em paz em dezembro? Agora, os políticos teriam que tomar o ano inteiro. Talvez fizesse efeito benévolo para aqueles outros probleminhas que eles costumam ter, também.

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